Dignidade de vida antes do fim
por Mário Melazzini
Mais uma vez, histórias humanas de grande sofrimento e dor confrontam-nos com reflexões importantes sobre o valor da vida e o seu significado, sobre a razão pela qual decidimos empreender determinados caminhos. Quando somos afectados por uma doença, uma deficiência grave, seja ela qual for, à primeira vista parece impossível, senão insensato, combiná-la com o conceito de saúde. Ainda mais se se tratar de doenças raras, pouco conhecidas e para as quais, actualmente, não se conhecem terapias eficazes para as curar, ou de uma patologia oncológica que não é nem quimiossensível nem radiossensível e nem sequer adequada para uma abordagem cirúrgica.
Às vezes, porém, pode acontecer que uma doença ou uma deficiência grave que mortifique e limite o corpo, mesmo de forma muito evidente, possa representar um verdadeiro remédio para quem tem que conviver com ela à força, sem possibilidade de alternativas. Porque a doença pode realmente traçar, para o bem ou para o mal, uma linha indelével na trajetória de vida de uma pessoa. Ou, melhor ainda, construir uma série de Pilares de Hércules, além dos quais nos é impossível voltar atrás, mas, se quisermos, ainda podemos olhar para frente. E este é precisamente o cerne da questão. Quando você tem a sorte de manter suas habilidades cognitivas intactas e inalteradas, ainda é possível pensar no que você pode fazer e não no que não é mais capaz de fazer. Se pensarmos nestes termos, a doença pode realmente tornar-se uma forma de saúde. É saudável porque permite que você ainda se sinta útil para si e para os outros, começando pela família e continuando com amigos e colegas de trabalho.
E é saudável porque te ajuda a perceber que não se deve considerar nada na vida garantido, nem mesmo beber um copo de água sem engasgar. Às vezes estamos tão focados em nós mesmos que não percebemos a beleza das pessoas e das coisas que convivemos há anos, talvez desde sempre. Então, quando a doença te para de repente, pode acontecer que sua escala de valores mude e você perceba que aqueles que, até aquele momento, considerávamos os mais importantes não eram realmente tão merecedores dos primeiros lugares. Nestes tempos em que falamos cada vez mais, com pouca clareza, do “direito à morte”, do princípio da autodeterminação, da autonomia do paciente, devemos trabalhar concretamente no reconhecimento da dignidade da existência de cada ser humano que deve ser ponto de partida e referência para uma sociedade que defende o valor da igualdade e está empenhada em garantir que a doença e a deficiência não sejam ou não se tornem critérios de discriminação e marginalização social. A dor e o sofrimento (físico, psicológico), enquanto tais, não são bons nem desejáveis, mas isso não significa que não tenham sentido: e é aqui que o compromisso da medicina e da ciência deve intervir concretamente para eliminar ou aliviar a dor dos doentes. ou deficientes, e melhorar a sua qualidade de vida, evitando qualquer forma de terapia agressiva.
Esta é uma tarefa preciosa que confirma o sentido da nossa profissão médica, não se esgota na eliminação dos danos biológicos.[…]
Por isso penso que um corpo doente pode trazer saúde à alma, tornando-a mais forte, mais tenaz, mais determinada, mais disponível para se lançar de todo o coração naquilo que se deseja. A urgência ditada por um estado patológico pode tornar-se um enorme estímulo para atingir objetivos considerados impensáveis e aparentemente impedidos na “vida anterior”. E valorizo o que Stephen Hawking escreveu: "Lembre-se de olhar para as estrelas e não para os seus pés... Por mais difícil que a vida possa ser, há sempre algo que você pode fazer e em que pode ter sucesso." A doença não tira as emoções, os sentimentos, a possibilidade de compreender que o ser importa mais do que o fazer. Pode parecer paradoxal, mas um corpo nu, despojado da sua exuberância, mortificado na sua exterioridade faz brilhar mais a alma, ou seja, o lugar onde estão presentes as chaves que podem abrir, a qualquer momento, o caminho para completar a tarefa em o melhor caminho. Em tudo isso, a esperança, que defino como aquele sentimento reconfortante que sinto quando vejo em minha mente aquele caminho que pode me levar a uma condição melhor, torna-se minha ferramenta para o dia a dia.
(Avvenire, 30 de março de 2017)