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Da figura do antigo José, filho de Jacó,
obtêm-se os traços evangélicos de José de Nazaré.
Este último vive junto com Jesus e Maria uma vida “relativa” a eles.

de Mons. Silvano Macchi

Os textos evangélicos que falam de São José são poucos. Não nos contam quanto tempo viveu com Jesus e Maria e o que lhe aconteceu depois... Simplesmente desaparece! Dos dois evangelistas que falam sobre isso, Lucas favorece o ponto de vista de Maria e apenas diz o nome de José. Já Mateus nos oferece mais alguns detalhes, pois nos episódios da Infância ele privilegia José como figura de referência. Mas mesmo no caso de Matteo temos poucos elementos para a caracterização do personagem. Não temos seus traços físicos nem sua aparência externa e nem sequer nos é informada vagamente sua idade cronológica. Isso não deveria nos surpreender, pois a intenção de Matteo é traçar o perfil simbólico de José e ele não está interessado no perfil realista do personagem. 

A profundidade simbólica e teológica de José é sugerida através da referência a duas figuras do Antigo Testamento: José, filho de Jacó, e Moisés, o legislador. Quero concentrar-me nas sugestões que surgem da associação simbólica entre São José, pai adotivo de Jesus, e José, filho de Jacó (um perfeito “duplo literário” a partir do próprio nome). 

Consultemos a passagem que fala da fuga para o Egito (cf. Mt 2, 13-15). Um anjo do Senhor apareceu em sonho a José e disse-lhe: «Levanta-te, leva contigo o menino e sua mãe, foge para o Egito e fica lá até que eu te avise. Na verdade, Herodes está procurando a criança para matá-la”. José obedeceu (como sempre!), levantou-se de noite, pegou o menino e sua mãe e refugiou-se no Egito, onde permaneceu até a morte de Herodes, para que se cumprisse o que havia sido dito pelo Senhor por meio do profeta (Os. 11, 1): «Do Egito chamei meu filho». Não é, portanto, por acaso que Jesus - como já tinha acontecido com José, filho de Jacó - acabe no Egito, numa terra estrangeira, onde o Deus de Israel é desconhecido e a vida dos seus filhos só é possível na condição de escravos. 

Mais tarde os onze irmãos e seu pai Israel/Jacó vão para o Egito devido à fome; lá eles encontram seu irmão Giuseppe, anteriormente vendido e perdido. Nesse ponto, José se torna quase um pai para seus irmãos e para o próprio pai deles, Jacó. Pai carinhoso, mas também cauteloso e reservado, como todos os pais. Podemos perceber que para José, filho de Jacó, a ocultação tem diferentes aspectos. Primeiro ele é escondido pelos irmãos, que o colocam numa cisterna e o vendem aos mercadores egípcios; eles constroem para seu pai Jacó a falsa narrativa de sua morte nas mãos de um leão. Num segundo momento, a sua ocultação depende antes da sua própria iniciativa; não se deixa reconhecer pelos irmãos, espera que eles se convertam, que releiam com outros olhos a antiga inveja do filho preferido. Escondendo-se dos seus irmãos, José encoraja a sua conversão. 

Estes traços de ocultação do filho de Jacó iluminam a figura do marido de Maria e suposto pai de Jesus. Também ele está quase oculto, não só porque pouco se fala dele no Evangelho, mas sobretudo porque dele se diz que ele é. alguém que ele afasta, que fica de lado (mas não no sentido de fingir que nada está acontecendo e não se importar com ninguém) e ao mesmo tempo que está muito perto, está perto! ele está com Jesus e com Maria, sua noiva.

Poderíamos dizer que São José é inteira e sempre “parente” de Maria (como marido) e de Jesus (como pai). Utilizando o esquema dos “actantes” - na linguística moderna são os personagens de uma ação, de uma história - o papel actancial desempenhado por Giuseppe é o de ajudante, guardião, pois oferece ajuda inicial e indispensável ao sujeito principal da história que é Jesus e, com Jesus, a Maria. Sendo um executor obediente e dócil da palavra recebida de Deus, ele fica à parte, do começo ao fim. A princípio, quando Maria está grávida; depois, durante o nascimento de Jesus; depois, na retirada para o Egito; no final, quando se retira para Nazaré, na Galileia. Para dizer que José “retirou-se”, o Evangelho usa o verbo anacoreína, de onde deriva o termo anacoreta. Nos primeiros séculos do cristianismo, os anacoretas retiraram-se para a solidão para se dedicarem à oração e à vida ascética; eles foram os chamados “pais do deserto” dos séculos III e IV. 

José, apesar de ser um personagem secundário, é decisivo na salvaguarda e garantia da segurança do grande protagonista do Evangelho, além de ser um executor obediente e dócil da palavra recebida de Deus. José – e com ele também Jesus – vive uma vida. longo período de sua vida como "âncora". O traço oculto, mas essencial e fundamental, de São José retorna. A este respeito, é útil recordar que a tradição cristã escolheu o nome de “vida escondida” para os anos da vida de Jesus passados ​​em Nazaré.

Concluindo, pode-se dizer que José é a testemunha da “distante proximidade” de Deus com a nossa vida. Podemos dizer de São José o que a Carta aos Hebreus diz de Abraão: “Pela fé ele peregrinou na terra prometida, como em terra estrangeira, vivendo em tendas” (Hb 11). São José, herdeiro dos patriarcas, também viveu na sua terra e com o seu Filho de David, mas quase como um estrangeiro.

São José ajuda a todos nós a sermos testemunhas do Pai do céu, próximo e ao mesmo tempo incompreensível. Mesmo Deus não pode ser visto, tocado ou ouvido, parece que ele fica de lado e não nos nota. E, no entanto, está sempre muito próximo daqueles que sempre se ajoelham diante do seu mistério e pedem ajuda para si, para a própria vida e para a vida do mundo. Procuremos identificar-nos com São José – embora tratado com sobriedade nos Evangelhos, como vimos, mas também com “simpatia” – para fazer nossa a sua atitude e imitá-lo.