A «Gaudium et Spes»
A vida é sempre um momento favorável
de Madre Anna Maria Cánopi
Com esta meditação chegamos à conclusão do caminho que nos levou a reler o texto conciliar da «Gaudium et Spes» mês após mês, tentando haurir dele o que pensar para viver a nossa vida quotidiana de maneira cristã. No final do documento há um convite que nos faz compreender como neste momento – no hoje da graça que se renova a cada manhã – tudo deve começar. Depois de ter falado longamente sobre o drama da guerra e a urgência de encontrar caminhos de paz, os Padres conciliares «no meio da angústia do tempo presente» repetem com insistência a mensagem do Apóstolo: «“Agora é o momento favorável” para transformar o corações, 'agora são os dias da salvação'" (GS 82; 2 Cor 6,1).
A parte final do documento é um apelo grandioso e sincero que abraça num abraço universal os filhos da Igreja Católica, os cristãos das diversas confissões, os membros de todas as religiões e toda a humanidade: todos, em suma, porque , cada um, segundo a sua natureza e cultura, segundo as aspirações profundas do seu coração, unir-se na fraternidade e formar a única família de Deus. Gostaria de sublinhar algumas palavras e indicações deste apelo final, para que possam. seja um estímulo e um guia para um testemunho da mulher cristã cheia de alegria e de esperança no nosso tempo, não menos angustiado e cheio de interrogações sobre o futuro da humanidade, hoje mais do que nunca ameaçada pelas forças cegas do terrorismo e, no tomada de pânico, fortemente tentada a defender-se fechando-se ela mesma, em vez de correr o risco do amor.
A primeira destas palavras é coração: a construção da paz exige, de facto, antes de tudo, que sejam erradicadas as raízes venenosas das quais crescem no coração os espinheiros e os espinhos da discórdia: espírito de dominação, desprezo pelas pessoas, inveja, desconfiança, orgulho e todas as outras paixões egoístas. Se não se enfrenta diariamente a luta contra o pecado, no fundo do coração, inevitavelmente «o mundo, mesmo quando não conhece as atrocidades da guerra, permanece continuamente à mercê das lutas e da violência», sempre como se estiver sob a tensão de uma tempestade que está prestes a estourar. Como a língua da qual São Tiago diz que «é um membro pequeno, mas pode orgulhar-se de grandes coisas» e causa danos imensos (cf. Tg 3,5-8), também o coração é um membro oculto, mas as decisões são feito em segredo o que determina as ações que envolvem não só a si mesmo, mas também aos outros. Nunca é demais repetir que todos, com as suas escolhas e ações, mesmo os mais pequenos, são responsáveis pelo destino do mundo inteiro.
É a grande dignidade da pessoa humana, chamada a cooperar com Deus no desígnio da salvação universal. A grandeza da tarefa exige verdadeiramente um coração purificado pela escuta da Palavra de Deus e assim tornado capaz de discernir a vontade divina; precisamos de um coração compassivo, atento às necessidades dos irmãos, de um coração pronto ao sacrifício, de um «coração – como dizia o Beato Paulo VI – sensível a todas as necessidades; coração pronto para todas as possibilidades de bem; coração livre, pela pobreza desejada; coração magnânimo, por todo perdão possível; coração bondoso, para todo requinte; coração piedoso." Mas o coração do homem, ferido pelo pecado, é frágil e facilmente inclinado ao mal. Por isso – e aqui está a segunda indicação fundamental que encontramos na mensagem dos Padres conciliares – para prevenir, conter e enfrentar o desencadeamento da violência apaixonada, é muito importante o apoio mútuo, estimulando-nos mutuamente na conversão e na boas obras sem nunca se cansar, sem nunca desanimar. É o primeiro passo, o básico, para que o esforço social possa ser frutífero. «A Igreja exulta com o espírito de verdadeira fraternidade que floresce entre cristãos e não-cristãos», na tentativa de acabar com a imensa miséria» do mundo (n. 84), a miséria material, mas também a espiritual, pois « não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4). Aqui então a solidariedade fraterna torna-se um estilo de vida. “A miséria da maior parte do mundo é tão grande que o próprio Cristo, na pessoa dos pobres, clama como que em alta voz pela caridade dos seus discípulos”.
Os Padres conciliares não hesitam em pedir aos cristãos que sejam heróicos no amor, que dêem alívio aos mais pobres, «haurindo não só o supérfluo, mas também o necessário» (n. 88). A referência à viúva no Evangelho que colocou tudo o que tinha para viver no tesouro comum do templo é clara. Desta forma, «a Igreja, em virtude da sua missão divina, prega o Evangelho e derrama os tesouros da graça sobre todos os homens». Como recorda com tanta insistência o Papa Francisco, o testemunho cristão tem como caminho privilegiado o da pobreza, porque o próprio Cristo, sendo rico, tornou-se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8,9). Onde a pobreza é autenticamente evangélica, de facto, é certamente uma experiência de liberdade: liberdade das cadeias do egoísmo e da ganância, liberdade dos cálculos ou dos planos de vida estreitos, liberdade das preocupações mundanas, mas sobretudo é liberdade de oferecer-se totalmente , liberdade para percorrer o caminho dos mandamentos divinos sem o peso de fardos inúteis, liberdade e alegria de saber que somos filhos amados por Deus. Segue-se que o poder – toda forma de poder – perde o seu atrativo, enquanto a possibilidade de servir. nossos irmãos adquire valor, podendo assim, através deles, agradecer ao Pai que, através do Filho, nos reabriu as portas do céu e no Espírito nos guia pelo caminho real da caridade, único tesouro que encontraremos na vida eterna.
Longe de ser uma dimensão simplesmente económica ou material, longe de ser uma renúncia que diminui a pessoa, a pobreza traz ao coração e realiza aquela revolução pacífica que é a vida evangélica, que é abertura aos outros, sem competição nem rivalidade, sem ambição. ou egoísmo, mas no diálogo e na doação. Através de um estilo de vida marcado pela pobreza evangélica, o cristão caracteriza-se por um excedente de amor, que faz o bem gratuitamente, como e sempre, sem medo de “perder”; aliás, na consciência de que quando os outros não retribuem o bem recebido, a nível espiritual ganhamos mais, porque nos tornamos mais conformados com Cristo. Olhando para Ele, já não podemos contentar-nos em chegar apenas «até certo ponto», porque Ele não parou na subida ao Calvário, mas serviu a humanidade até subir à cruz. Do seu exemplo vem a força para ir sempre além das medidas e das “conveniências” humanas. Para viver em comunhão com os outros é preciso fazer-se verdadeiramente pequeno, pobre, humilde, até saber verdadeiramente colocar-se aos pés de todos com amor, seguindo o exemplo de Cristo. E este é o segredo da paz. E este é também o “tesouro” da Igreja que não tem outro desejo senão “ajudar todos os homens do nosso tempo – tanto os que acreditam em Deus como os que não o reconhecem – para que, percebendo mais claramente a plenitude da sua vocação, tornar o mundo mais compatível com a eminente dignidade do homem e aspirar a uma fraternidade universal", que é uma antecipação nesta terra da comunhão dos santos e da irradiação da glória do Senhor.