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Somente a espiritualidade profunda pode liberar recursos insuspeitados para realizar os desejos de alguém

por Giovanni Cucci

 
O próprio Senhor parece dar-se a conhecer através dos desejos. Santo Agostinho escreve a este respeito: «O teu desejo é a tua oração; se o seu desejo continua, a sua oração continua [...]. O desejo é a oração interior que não conhece interrupção." O próprio evangelho pode ser apresentado como uma grande educação sobre os desejos; pense por exemplo. à pergunta inicial de Jesus no Evangelho de João: “O que procurais?” (Jo 1,38), pergunta que convida à clareza no coração antes de iniciar a sequência. Mesmo antes de um milagre, Jesus refere-se ao desejo, pois quando se encontra diante do paralítico no tanque de Betesda, pergunta-lhe antes de mais nada: “Queres ficar bom?” (Jo 5,6). Ao fazer estas perguntas, Jesus convida-nos a reconhecer o que é importante desejar na vida como um guia para cada passo futuro, incluindo a cura.
Em segundo lugar, o desejo tem uma forte ligação com a esperança, como foi dito acima, e portanto com a dimensão futura da vida, a abertura às possibilidades de realização: no desejo já existe uma componente de sucesso possível, de propensão à sua implementação e realização , e nesta esperança constitui um impulso para agir e tomar iniciativas. Quanto mais forte é o desejo e envolve toda a pessoa, mais o sujeito utiliza todas as suas energias para tornar o projeto realizável; vice-versa, um sintoma de crise de desejo é dado precisamente pela incapacidade de ver um futuro para a própria existência ou de ter medo dele. Como observa Lynch a este respeito: «A firmeza do desejo e da ação, por um lado, e a capacidade de esperar, por outro, constituem uma definição possível de maturidade psicológica».
Daí a importância de uma leitura espiritual da própria situação: as dificuldades que muitas vezes incomodam e parecem impedir os desejos, podem antes constituir o seu possível ponto forte, porque convidam a tomar uma posição, a reconhecer as ressonâncias afetivas enfrentadas por tal situação, para dizer a verdade sobre o seu desejo.
Mas será que podemos fazer um “ranking” dos desejos? É possível desenvolver critérios para reconhecer a sua validade e veracidade, além da observação do seu poder de envolvimento (que sabemos também ser um perigo)? Aqui o discurso espiritual pode inserir-se eficazmente: o discernimento dos espíritos de Santo Inácio é, neste sentido, uma ajuda para reconhecer a verdade dos próprios desejos. Podemos lembrar alguns elementos.
Um primeiro critério pode ser introduzido com as palavras de São Paulo: «O Espírito vem em socorro da nossa fraqueza porque nem sabemos o que é apropriado pedir, mas o próprio Espírito intercede insistentemente por nós com gemidos inexprimíveis; e quem sonda os corações sabe quais são os desejos do Espírito, pois intercede pelos crentes segundo os propósitos de Deus” (Rm 8,26-27). O Espírito que reza em nós lembra-nos antes de tudo que o desejo em sua essência é bom e não deve ser temido. Trata-se de praticar a arte da escuta, porque os verdadeiros desejos são profundos e discretos: o Espírito, quando encontra a docilidade, apura a arte do autoconhecimento e da inteligência, no seu sentido literal de intus-legere, saber ler nas entrelinhas, aprender ir além do que brilha, mas é superficial.
Também é importante considerar a durabilidade. O desejo profundo não desaparece com o passar do tempo, mas, como o grão de mostarda da parábola (Mc 4, 31-32), cresce cada vez mais. A estabilidade é um bom sinal de desejo, principalmente quando se encontra disposto a buscar e fazer a vontade de Deus, que é o Senhor do tempo. Dificuldades e fracassos geralmente não extinguem o desejo profundo, mas fortalecem-no ainda mais; é como quando você está com sede, se você não encontra algo para beber, isso não significa que você desiste, pelo contrário, em determinado momento ela toma conta de todos os seus pensamentos e planos. Santo Agostinho introduz uma comparação interessante a este respeito: o desejo é como o recipiente do espírito, e quanto mais o homem espera e luta, mais o desejo e o amor crescem e mais generosamente Deus pode colocar nele os seus dons. Este elemento foi bem reconhecido pelos Padres da Igreja. São Gregório Magno vê nas tentativas de Maria Madalena para encontrar o Senhor no túmulo a dinâmica do desejo espiritual que cresce e se fortalece quanto mais se tenta realizá-lo e apesar das dificuldades: «Então ela procurou pela primeira vez, mas não o fez. encontrar; ela perseverou em buscar, e foi-lhe dado encontrar. Assim aconteceu que os desejos cresceram à medida que continuaram, e à medida que cresceram alcançaram o objeto das buscas. Os desejos sagrados crescem com o prolongamento. Porém, se enfraquecerem enquanto esperam, é sinal de que não eram desejos verdadeiros."