Carta aberta do Postulador Geral Don Mario Carrera
Depois da canonização de Dom Guanella, ressoou solenemente na Basílica de São Pedro o trecho evangélico de Mateus 25, onde a fome do homem se identifica com a fome de Deus.
Parece-me ler nesta concomitância um convite providencial a prosseguir com nova tensão e renovado entusiasmo o caminho traçado pelo solene magistério da Igreja com o rito da canonização.
Na marca d'água desenhada pela Providência neste evento, da grande e entusiástica participação dos peregrinos no rito, do eco dado ao evento pelos meios de comunicação, teve-se a impressão de captar um premente convite do Fundador a olhar para o gama de pobreza que a sociedade atual nos confronta, tanto a nível espiritual como social.
O Santo Padre nos lembrou que «Dom Guanella, guiado pela divina Providência, tornou-se companheiro e mestre, conforto e alívio para os mais pobres e fracos [...] Prestou muita atenção ao caminho de cada um, respeitando seus tempos de crescimento, cultivando no coração a esperança de que cada ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, desfrute da alegria de ser amado por Ele – Pai de todos – e possa tirar e dar o melhor de si aos outros”.
Mais do que nunca nesta circunstância “o melhor de si” é exigido de nós, discípulos desta profecia da caridade.
Celebramos a canonização com o lema «A santidade salvará o mundo», uma verdade que hoje é o fio condutor do magistério do atual pontífice e que merece tornar-se um sopro natural da nossa vida ao serviço dos pobres, sentados nos degraus da escada dos seis tipos de pobres de que fala o evangelista Mateus no capítulo 25 do seu evangelho. Esses pobres são a carne de Deus voltando para o céu. A fome dos pobres, as suas lágrimas, a sede, as doenças, as enfermidades são feridas ardentes na própria carne de Deus. A santidade, praticada por Dom Guanella, consistiu em tentar fazer brilhar as pessoas, com paixão, constância e espírito de serviço. a luz de Deus nas dobras do desconforto de viver.
Todos temos consciência de que a santidade é sopro de vida e brilha à luz do nosso testemunho, como “sinal” e “instrumento” do próprio Cristo, presente na nossa história quotidiana.
A experiência, porém, alerta-nos para o perigo de consumir a nossa vida no “fazer”, correndo o risco de fragmentar a nossa actividade, tornando-a opaca, incapaz de criar um fio num tecido evangélico, capaz de envolver colaboradores leigos e assim criar relações mútuas. , motivado e profundo.
Todos notamos que no nosso momento histórico a pobreza mais perniciosa é a fragmentação do nosso “eu”, incapaz de gratuidade e limitado por uma criatividade pessoal e isolada que sente e experimenta os vínculos comunitários como uma limitação dos seus próprios carismas e da liberdade de iniciativa.
O objetivo desta fragmentação é a estagnação: não conseguimos vivenciar os nossos dons e talentos como num arquipélago variado, mas tornamo-nos ilhas rodeadas por águas estagnadas.
Não há dúvida de que a canonização, querida por Deus nesta época da nossa história como congregações, num momento de forte expansão, é a ocasião para um salto de generosidade e um convite urgente a passar do agir dentro da casca da tradição para o trabalho por maior “convicção”; uma convicção radical de ser chamados dia após dia ao serviço dos pobres, motivados pela fonte da oração, para dispor a nossa fé à escuta da voz de Deus que se torna grito dos necessitados nas realidades sociais dos diversos continentes em que vivemos.
Numa sociedade muitas vezes «exausta», é necessário recuperar o optimismo de Deus, ter consciência de ser portadores de luz num mundo envolto em nevoeiro. Isto é especialmente verdadeiro para as gerações jovens: jovens forçados a viver no nosso mundo ocidental sem presente e sem futuro. Isto aplica-se ao mundo dos adultos dilacerados por preocupações financeiras, educacionais e relacionais. É atual para os idosos, estacionados em solidões angustiantes. Todas estas realidades levam-nos a acreditar que é chegado o momento de colocar “o Deus que faz” no centro da nossa vida de consagrados, um centro pulsante, uma energia em constante tensão para a motivação da gratuidade do dom recebido para ser dado ao vizinho necessitado.
Em São Paulo Fora dos Muros, na véspera da canonização, vigíliamos e rezamos sobre o tema “Amados, escolhidos, enviados”. A consciência de um dom que nada mais é do que fruto de uma interioridade que emerge.
Para dar uma palavra de concretude à voz dos desejos, o grupo de pessoas que trabalhou, partilhou com o postulador a esperança do sucesso do evento de canonização, silenciosamente, mas com firme consciência, sugere que cada discípulo do carisma de São Luís Guanella escolhe um vizinho da sua vizinhança e pergunta-se não só pelos problemas do mundo, mas pelas condições de vida daqueles que são verdadeiramente “próximos” de nós: o próximo na comunidade, o próximo na vida pastoral, o vizinho quem bate à porta, os despejados, os divorciados, os deficientes, os presos, os pais das crianças com problemas, os adolescentes, os doentes, os idosos, enfim, todas as pessoas indicadas na escala das obras de misericórdia corporais e espirituais.
Era nosso desejo que a canonização fosse imortalizada com uma obra concreta de caridade. Isso não foi possível, não estava nos planos de Deus.
Graças aos membros da Pia União de São José, no dia da canonização foi partilhado o almoço, oferecendo-o a milhares de assistidos nas nossas casas “em terras de missão”, tudo o que é necessário para a alegria de um almoço partilhado.
Gostaríamos que o acontecimento da canonização colocasse ênfase numa realidade, sublinhada também na apresentação do Cardeal Prefeito, Ângelo Amato, ao Santo Padre na Praça de São Pedro, que é a Pia União do Trânsito de São José. . É uma intuição espiritual do Fundador, mais urgente e necessária do que nunca, uma convergência de orações, uma “cruzada” de atenção cordial à pobreza mais radical da condição humana, que é a morte. Por isso esperamos que em todos os países onde a Obra Dom Guanella está presente se estabeleça uma filial da Pia União Primária de Trânsito, para que as pessoas sejam encorajadas a rezar pelos moribundos do mundo.
Entre as propostas em preparação para a Pia União sobre estas questões, está prevista uma conferência sobre “O processamento do luto” para 2013, centenário da própria Pia União.
Um compromisso de colaboração com os capelães penitenciários para a difusão da boa imprensa nas instalações penitenciais de quatro cidades italianas: Milão, Roma, Nápoles, Messina (pela proximidade com a nossa paróquia) ou Palermo.
Através das nossas freiras pedimos para poder comprar 200 Novos Testamentos em romeno para serem distribuídos nas prisões de Roma.
Nosso passado é um celeiro de bem realizado, mas acima de tudo nosso futuro é um campo infinito de bem a ser realizado.
Muitos me perguntaram o conteúdo da conversa do Papa com o postulador no dia da canonização. Bento XVI me disse: «Você faz tanto bem, continue neste caminho. Continue fazendo tanto bem."
O bem a fazer tem mil faces, por isso o caminho traçado pela caridade apela à nossa fé, inteligência e criatividade.
A canonização de Dom Guanella foi um acontecimento único e singular para uma congregação, um marco que marca um caminho e aponta com energia e forte tensão para uma meta futura.
As intuições carismáticas e proféticas do nosso Fundador, espalhadas nos seus escritos e testemunhadas pelas suas obras, são herança do nosso passado. As experiências de caridade na Itália e nos diferentes continentes do planeta também se somam à história. Esta herança de amor impulsiona a nossa generosidade para ouvir os gemidos dos novos pobres que estão a chegar à vanguarda da nossa história contemporânea. A pobreza, tal como as estações, muda de cara de acordo com os contextos culturais, económicos e ambientais, por isso é necessário invocar a luz divina para poder ler a “hora da misericórdia” no calendário de Deus.
Então o Espírito Santo, doador de todo o bem, “Pai dos pobres e luz dos corações” liberta-nos do nosso espírito burguês, fecunda as nossas aridez com água jorrando, reabilita as nossas energias para curar as feridas da vida e faz com que ressoe no nosso serviço aos pobres a alegria de nos doarmos ao próximo que sofre.